fevereiro 11, 2024

When You Were Young


Em meus tempos viciados em Guitar Hero 3, apesar de acabar me afeiçoando a praticamente todas as músicas (que são realmente muito boas), essa batia diferente. When You Were Young do The Killers foi, pra mim, uma daquelas que pomos o fone de ouvido para captar cada detalhe da composição, descansamos os olhos em um quarto escuro e sentimos a canção invadindo o corpo todo, como se ela ressonasse com cada parte de você. É uma sensação bizarra e muito gostosa ao mesmo tempo, não sei porque ela ocorre com algumas músicas, mas quando ocorre, como foi o caso, é uma experiência incrível.

Bom, de uma forma geral, When You Were Young me fala sobre ideais, idealizações, perspectivas de vida geradas e carregadas dentro de nós desde a juventude, tanto a respeito de relações, quanto sobre nós mesmos (ir atrás de uma versão ideal de si próprio), mas, também, dar de cara com as nossas falhas e com as dificuldades da realidade durante essas buscas. Vamos aos poucos... 

Obs: deixei a letra em sua língua original, mas você pode ler a tradução bem AQUI.

You sit there in your heartache
Waiting on some beautiful boy to
To save you from your old ways
You play forgiveness
Watch it now, here he comes

A canção começa citando que a pessoa está acomodada na tristeza, as coisas não andam bem, mas não faz nada para alterar a situação, está presa nos velhos hábitos. Espera um outro alguém, "um cara bonito" - lembrando então do príncipe encantado que chega para salvar a princesa - mudar a vida dela, aqui já remetendo às idealizações. "Você finge pedir perdão" ou "finge perdoar", "brinca com o perdão", foi uma parte na qual fiquei travada por um tempo pensando a respeito, precisei desenterrar algumas experiências próprias para tirar uma conclusão. Eu já brinquei de perdão alguma vez? Lembrei de uma época na qual negava minhas sombras, dores e tristezas, perdoando mesmo sem sentir que a pessoa estava realmente arrependida (não à toa, repetiam os exatos erros muitas outras vezes), nem me sentindo verdadeiramente leve ao fazê-lo, tudo sob um pretexto de que eu era pura luz, de que nada me abalava, de que era uma boa pessoa e blá blá blá. No fundo, apenas me machucando ao aceitar que me machucassem, ao não dar limites, passando pano para os descuidos dos outros comigo. Era apenas falta de amor próprio e não um perdão verdadeiro. A personagem da música, então, está fazendo algo parecido. Pelo ideal que provavelmente tem do que seria ser uma boa pessoa, brinca com o perdão, mas será que isso a faz bem? Como a própria letra diz, está apenas triste, com o coração partido, mas nega isso, e deixa que outros sejam responsáveis pelo que ocorre em sua própria vida (não é protagonista), tanto que espera ser um cara bonito aquele a ajudá-la a sair dessa situação. O que reflete muito as crenças criadas e colocadas ao longo do tempo sobre as mulheres: a caixinha da boa moça que serve ao homem e necessita dele, do casamento, para ser feliz, sendo esse seu objetivo de vida. Bom, lá vem este homem...

He doesn't look a thing like Jesus
But he talks like a gentleman
Like you imagined when you were young

E "ele não se parece nem um pouco com Jesus", um dos nossos maiores ideais de perfeição. Mas alguém parece? O rapaz que chega na vida dela ao menos fala que nem um cavalheiro, se assemelhando ao que imaginava na juventude, um desejo antigo, inocente e intocado, de quando ainda não tinha desilusão. Entretanto, será que isso é suficiente? Ele apenas fala ou tem atitudes equivalentes também? Vai realmente salvá-la?

Can we climb this mountain? I don't know
Higher now than ever before
I know we can make it if we take it slow
Let's take it easy, easy
Now, watch it go

Minhas dúvidas são respondidas com uma interrogação "podemos escalar essa montanha?" Que já é seguida de uma incerteza, insegurança, "eu não sei", demonstrando que não, não é suficiente. O relacionamento não vai bem e não parece ser possível levá-lo em frente, não parece que conseguirão enfrentar esse desafio e se esforçar para que a relação tenha futuro (a sensação de que a montanha está mais alta do que nunca). Porém, o final da estrofe traz uma esperança, mostra que ainda há a vontade de fazer dar certo, de tentar. Por mais que aos poucos, por mais que demore e seja difícil, há a vontade, e isso já conta muito. Já é uma ação a favor de uma melhora.

We're burning down the highway skyline
On the back of a hurricane that started turning
When you were young
When you were young

Fazendo uma correspondência do elemento ar com a mente, o furacão é a força tremenda que ele ganha ao ser cultivado e alimentado ao longo da vida, representando aqui as crenças as quais ela persegue desde a juventude. Entretanto, essa estrada percorrida atrás dessas idealizações (que não há nada de errado em fazer, temos mesmo que seguir nossas convicções, ainda que seja para transformá-las depois) a levaram a bater de cara com a realidade e consequentemente algumas ideias e ilusões desmoronarem. A dimensão de futuro que a personagem tinha, suas perspectivas (o horizonte da estrada) estão sendo destruídas, queimadas, caindo por terra à medida que encara a verdade (essa parte me lembrou um pouco algumas metáforas ilustradas no filme Divertidamente da Pixar). Não é um relacionamento que a salvará. Não se pode depositar toda sua felicidade, sua vida nas mãos de uma outra pessoa - nem impor a sua visão, suas expectativas de como o outro deve ser, nem se abster de fazer o trabalho em si próprio, cuidar de si mesmo, procurar tratar suas inseguranças, dores e problemas. Somos todos humanos, cometemos erros, falhamos e o processo de buscar ser sempre melhor é unicamente nosso, nossa responsabilidade. Pedir apoio, sim, mas não colocar esse peso no outro, já é difícil demais carregar o próprio. O homem que acreditava ser sua salvação, sua alegria, acabou a decepcionando, e agora? Se ele era seu tudo o que te resta?

And sometimes you close your eyes
And see the place where you used to live
When you were young

Fecha os olhos para visualizar. Irônico. Mas muito no sentido de acessar o que o interno verdadeiramente deseja, o que é seu e não algo imposto/ influenciado por outros, o que continuava dentro de si, após tanto ter se desfeito. A primeira vez que busca a resposta internamente! E o que descobre é que, em meio a todo caos em que a vida se encontra, o que realmente queria era se sentir bem, confortável, segura. Como a sensação passada pelo lar, o lugar onde costumava viver quando jovem (sua base). Na série da Netflix "Por trás daquele som", os integrantes da banda falam sobre seu processo de criação, como ele parte das suas experiências, memórias, a conexão deles com Las Vegas e citam algo muito real sobre como saber qual rua pegar, qual restaurante é o mais barato, qual o melhor lugar para fazer algo específico, etc, são coisas de moradores. É esse tipo de conexão que ela quer, que se encontra ao enraizar-se onde há compreensão e confiança. E esse lugar sempre pode ser acessado dentro de si mesma, ela é quem mais sabe dos seus sentimentos, o que a faz bem e o que a faz mal, quem ela é e o que quer. Sua vida é maior do que uma relação e não depende de outra pessoa para ter relevância.

They say the devil's water it ain't so sweet
You don't have to drink right now
But you can dip your feet
Every once in a little while

Aqui é o momento de se aceitar por inteiro, ser sincera quanto as sombras que existem dentro dela e abraçá-las, pois fazem parte de si também. Não necessariamente ceder completamente aos impulsos que esse lado lhe tenta a fazer, mas saber que eles existem, entendê-los e expressá-los de forma consciente, controlada, mesmo que fuja da ideia do que uma "boa pessoa" deve ou não fazer. Não é "encher a cara", tragar uma bebida, perder a cabeça, mas escolher quando mergulhar os pés (onde pisar, por qual caminho seguir, um movimento pensado), saber que não é errado dar voz a esse lado de vez em quando. Muito pelo contrário, às vezes é necessário para impor respeito, limites, empoderar-se (ter domínio sobre a própria vida, ser protagonista de sua história). Pois é apenas quando paramos de negar as coisas, que tornamos possível resolvê-las.

You sit there in your heartache
Waiting on some beautiful boy to
To save you from your old ways
You play forgiveness
Watch it now, here he comes

He doesn't look a thing like Jesus
But he talks like a gentleman
Like you imagined when you were young
(Talks like a gentleman)
(Like you imagined when)
When you were young

A repetição dessas duas estrofes, quando olhando apenas a letra, faz com que a evolução da história perca um pouco a força (quer dizer, considerando a forma como interpretei). Como se a personagem não tivesse se desenvolvido/ aprendido verdadeiramente com todo o processo. Ou, pensando de forma mais positiva, pode ser também apenas a ideia de uma recaída, as idas e vindas que podem ocorrer até conseguir firmar uma mudança, principalmente quando se trata da desconstrução de coisas que a acompanharam por tanto tempo, marcas profundas. Entretanto, ao correlacioná-las com o clipe, ganham um sentido diferente. Quando essa parte é cantada no vídeo, ela é representada por cenas que entendo como um flashback do momento em que o casal da música se conheceu (coincidentemente um "flashback" do início da composição), a lembrança de como e porquê decidiram começar uma jornada juntos e avaliando se o que os motivou ainda faz sentido, logo, futuro.

I said he doesn't look a thing like Jesus
He doesn't look a thing like Jesus
But more than you'll ever know

Agora, sim, é mostrado avanço! Apesar de não serem perfeitos, de falharem, estão em busca de melhorar, têm a vontade de fazer dar certo e é isso que os aproxima mais de seus ideais. Claro, contanto que suas ações sejam de acordo. Porém, como abordado em versos acima, por mais que seja devagar, a pequenos passos, já são passos, são atitudes a favor. E isso vale muito.


O clipe conta a história do casal, transitando entre passado e presente várias vezes e trazendo uma dramaticidade ainda maior para a canção. Ele começa com o tempo presente, que é basicamente o momento das grandes decisões tomadas na letra, tudo sustentado pela referência de ideal que eles seguem (Jesus, sendo a cruz logo a primeira imagem que aparece): ela decidindo pela sua própria vida (fechando o punho como se tomasse força e caindo ao chão ao invés de se jogando da colina; inclusive, a estrofe em que ela finalmente busca as respostas internamente é a cantada aqui) e ele buscando por ela, arrependido, nervoso por perceber seu erro e suas possíveis consequências (perder uma pessoa importante) e escolhendo pela relação (corre até ela e a tem em seus braços). Ouvimos, então, os primeiros acordes da música e, visualmente, voltamos um pouco no tempo para entender como chegaram até ali. Gosto, principalmente, de algumas brincadeiras imagéticas que são feitas, como, ao sair da igreja, ela encontrá-lo em um lugar mais alto do que onde ela está e na mesma direção de uma cruz (a ideia de pôr o outro em um pedestal e enxergá-lo como perfeito). Além disso, ele a ajuda a subir a plataforma, reforçando a ideia dela de que é um "cara bonito" que a salvará, o responsável por levá-la a um patamar mais próximo das suas aspirações. Outras cenas interessantes são quando o porta-retrato dos dois cai, sendo o momento em que tudo desmorona, e durante a ponte da música "They say the devil's water it ain't so sweet...", na qual ela aparece lavando as pernas e os pés, sabendo que ele a está observando, usando seu poder de sedução (se apoderando da energia do desejo, da carne, e usando de forma intencional, racional, diferente de como ele fez, se guiando por impulsos e traindo a pessoa que amava, quase levando tudo a perder).