maio 02, 2023

Ninguém é igual a ninguém (Desilusão)


Com o lançamento do novo álbum Vem Doce de Vanessa da Mata, acabei revisitando a minha música preferida da cantora: Ninguém é igual a ninguém, do álbum Segue o Som. E decidi analisá-la por aqui. Em geral, a canção fala sobre uma pessoa aprendendo a se autovalorizar a partir da desilusão provocada por um amor não correspondido, encontrando forças após a queda. Vamos a letra!

Por que houve o amor
Por alguém que nunca o priorizou
Por que houve profundidade
Se ele era raso e não sentia o coração

Por que esse amor se disse forte
Se quem o teve nunca o quis
Nunca se deu de verdade
E o evitou quanto mais sentiu

O retrato de uma relação desbalanceada, onde não há reciprocidade, com o dar e receber em desacordo. Alguém entregue ao sentimento, afundado nele, enquanto o outro se mantém na superficialidade, sem chegar a um envolvimento emocional e sim apenas carnal. Nenhuma das questões têm problema, mas não se encaixam. Ambos estão em fases diferentes, e, por algum mistério do universo, se relacionaram - muito provavelmente, para aprender algo. Principalmente, aquele que se doa demais e recebe pouco, que está incompleto, perdendo tempo e energia por alguém que não o valoriza do mesmo jeito que ele valoriza o sujeito. O amor só é. Ele não liga se está sendo direcionado para alguém que não o retribuirá. Como já disse Clarice Lispector "sentir é um fato", porém, "pensar é um ato". E, como pessoa responsável pela sua própria vida, acima das próprias emoções, você tem que decidir se vale à pena investir no sentimento ou não, tem que controlar como agir em relação a ele. No caso, seria decidir se o desbalanço da relação afetaria ou não o bem-estar dela (da parte que está se doando demais), entretanto, a reflexão só veio após a desilusão já ter ocorrido.

O mundo capital
O marketing da aparência superficial
A contramão do amor puro
O fast-fode, o jato do alívio

Uma crítica a nossa sociedade que tem nos ensinado a priorizar a pressa e quantidade, a mentalidade de produzir e produzir, sobre qualidade e bem-estar, sobre a aceitação e respeito ao tempo das coisas. Aparência não sustenta nada a longo prazo, a gente envelhece, a pele enruga, as pessoas vão embora. Carne, corpo, atração e sexos sem sentimentos, o "fast-fode", trocadilho simples mas, ao mesmo tempo, sensacional, comparando a rapidez e o baixo valor nutritivo que um fast-food nos fornece com as dinâmicas de relacionamentos atuais. O que estamos construindo ultimamente não é base sólida para nada. Tudo muito volátil, produtos com obsolescências curtíssimas... O caminho extremamente oposto de um sentimento como o amor, demonstrado perfeitamente em algumas obras de Pascal Campion e Lora Zombie por exemplo, que é uma construção diária, baseada em esforço mútuo para crescer.

Por que esse amor se disse forte
Se quem o teve nunca o quis
Nunca se deu de verdade
E o evitou quanto mais sentiu

Trágica subida
Montanha Russa
Fino corte sem sangue, a desilusão
A morte em vida
Minha força talvez seja me lembrar
Que me levantei
Me guiei pelo que sou
E ninguém é igual a ninguém

Uma relação que começou cheia de expectativas de crescimento e desenvolvimento (pelo menos por uma das partes), mas que, por não ter sido recíproca, não ter uma base para se sustentar (apenas dúvidas, assim como a música inicia), acabou sendo como uma montanha russa: algo cheio de altos e baixos, loopings, um misto de emoções e adrenalina, mas que dura apenas um curto período de tempo, é muito rápido, e, no fim, termina parado no mesmo ponto de partida. Algo que dá a sensação de que vai para algum lugar, porém, quando se analisa bem, não evoluiu em nada. "Fino corte sem sangue", tão superficial que sequer foi capaz de atingir os vasos (a profundidade e transformação que as trocas em uma relação podem provocar) e, por isso, tão decepcionante. A desilusão é a morte de uma esperança, ideia ou fantasia do que poderia ser e não foi, a decepção por aquilo em que se colocou esforço não ter terminado da forma que se imaginava. Felizmente, apesar de não ter dado certo, após o rompimento se levantou e seguiu em frente, se autoafirmando e indo atrás do que lhe faz sentido. Entendendo que ninguém é igual a ninguém, cada um tem seu caminho, cada um tem sua história, seus motivos, suas crenças e jeitos. Aceitar o outro como é, assim como aceitar a ti mesmo, sem querer mudar qualquer uma das partes (e é preciso muita força para conseguir não ceder a este ímpeto), entender que simplesmente não combinam e seguir rumo a um melhor encaixe. Citando Stephen Chbosky: "A gente aceita o amor que acha que merece", e, nesse caso, o eu lírico percebeu que sentia que merecia mais.

Será que é feliz
Não vejo um sorriso verdadeiro por aí
Acostumado a mentir
Quem mente para todos mente para si

Mentiras, máscaras, fingimentos que nada dizem para ninguém. Tudo por imagem, status, likes. Sorrisos para fotos, para o externo, mas internamente se sentindo vazio, angustiado e cheio de problemas. Ajuda a quem essa falta de sinceridade? Se não expomos nem para nós (fugindo), nem para o outro (mentindo), como aprender a lidar e buscar soluções para o que nos incomoda? Mais um apontamento sobre como as dinâmicas sociais atuais vêm afetando as relações.

Por que esse amor se disse forte
Se quem o teve nunca o quis
Nunca se deu de verdade
E o evitou quanto mais sentiu

Trágica subida...

Ninguém é igual a ninguém

Na queda
Na queda

Essa parte me lembrou uma poesia de Rupi Kaur do livro Outros jeitos de usar a boca: "o jeito como vão embora diz tudo". Cada um tem uma forma de reagir aos momentos mais baixos. E creio que esses são os mais reveladores quanto aos valores, ao caráter e à força pessoal tanto das pessoas ao nosso redor, quanto de nós mesmos. Seja para descobrir se é admirável, motivo de orgulho, ou exemplo do que não quer ser, algo prejudicial (para si e para o outro).


O vídeo também possui alguns elementos interessantes que complementam as ideias da letra. Como por exemplo, imagens do que indicam as individualidades do mundo, desde o nível microscópico (átomos, moléculas, particularidades dos microrganismos, DNA) ao macroscópico (olhos de diferentes cores e as digitais). Também há brincadeiras gráficas com as palavras, como "amor" e "sangue" sendo as únicas a aparecerem em vermelho indicando a sua equivalência metafórica na música. Ou quando "Se quem o teve nunca o quis" é colocado na cena com um tamanho de fonte muito maior do que o verso "Por que esse amor se disse forte", praticamente o sufocando, demonstrando que o sentimento estava de cara com uma barreira grande demais para deixar ele crescer. Em "O mundo capital...", acompanhamos um ser humano se desenvolvendo até a fase adulta, sendo o materialismo algo que nos é ensinado e enraizado desde a infância. Já no início do refrão, somos arrebatados com uma espiral, quase hipnótica, trazendo a ideia da ilusão e, ao mesmo tempo, das repetições, a relação sem evoluir, sempre voltando ao mesmo ponto, até, enfim, se partir. Além disso, com um design até meio destoante do resto do vídeo, no verso "Minha força talvez seja me lembrar", vemos a letra aparecer com uma animação que lembra o movimento do sol nascendo e se pondo (de leste a oeste) e o desenho da pessoa meditando e emitindo raios de sol em amarelo, demonstrando uma plenitude, o encontro da luz dentro de si próprio, contrastando completamente com as dúvidas, a inquietude provocada pelo relacionamento anteriormente. É fofo que logo no verso seguinte, "Que me levantei", as próprias letras possuem o efeito de aparecer subindo.

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