setembro 06, 2020

O menino do dedo verde


Assim como Avatar: a lenda de Aang, só que no âmbito literário agora, O menino do dedo verde é aquele livro que eu releio todo ano. O meu preferido! Um livro que quanto mais eu releio, mais eu gosto (e olhe que o ganhei lá em 2010). O menino do dedo verde, não diferente de outras obras infantis as quais sou apaixonada, me agradou quando eu era pequena e me fascinou mais e mais à medida que fui crescendo. Tenho certeza de que no ano que vem estarei sentindo que deixei passar várias coisas nessa análise que ainda não captei dessa leitura.

O livro, escrito por Maurice Druon e lançado em 1957, conta a história de Tistu, um garoto que, desde seu nascimento ao impor seu próprio nome, já demonstrava ser uma dessas pessoas que nascem com determinada missão na Terra e não para ser gente grande. O que já indica que sua jornada não é tão fácil, afinal, combater ideias pré-fabricadas (preconceitos) exige muito esforço. Mas é importante pontuar, também, que Tistu é um garoto que já nasceu com muitos privilégios, o que, de certa forma, facilita sim sua jornada quando comparamos a outras situações, como as lutas das minorias sociais por exemplo. Ainda assim, apesar de ter sido escrita há 63 anos atrás, a obra possui diversas mensagens incríveis que continuam precisando serem ouvidas.

Logo nos primeiros capítulos, temos uma crítica fantástica ao sistema educacional: Tistu simplesmente não consegue ficar acordado na sala de aula. As explicações do professor viram uma canção de ninar, o sono bate e ele dorme. Mal entra na escola, logo o garoto é expulso. Aqui, já somos levados a pensar a respeito do método de ensino adotado pelas escolas. Um método tedioso, cansativo e arcaico, que não atrai, não estimula seus alunos, tornando a aprendizagem algo chato e improdutivo. Quais assuntos dados na escola realmente aprendemos? No meu caso particular, posso responder que apenas aqueles os quais foram reforçados pelo meu dia a dia. "A vida, afinal, é a melhor escola que existe". Não é à toa que a solução encontrada para Tistu é aprender as coisas que deveria saber, olhando-as com os próprios olhos. É vivendo, colocando a mão na massa, vendo as coisas de perto, ouvindo, errando e, principalmente, questionando tudo, que o personagem descobre mais não só sobre o mundo, mas especialmente sobre si mesmo e seus talentos. O que me leva a falar sobre...

...O dedo verde! O poder de fazer florescer qualquer lugar em que ele tocar, afinal, "há sementes por toda parte". Ou seja, há potencial de criação, há ideias em todo lugar, e todos nós temos esse poder de realizá-las, cada um da sua forma, com o seu talento. E todo talento, acho importante ressaltar, pode ser aprimorado tanto quando é praticado, quanto através de mestres, como é o caso do Sr. Bigode no livro, personagem importantíssimo para o desenvolvimento de Tistu. Um mestre é aquele que sabe reconhecer nossos dons e nos ensina a melhorá-los, sem tirar nossa autonomia, sem querer nos mudar, apenas repassando o conhecimento que adquiriu com sua própria experiência de vida e tendo a humildade de admitir quando seu trabalho está completo, quando o aprendiz o supera.


Tistu não economiza do seu poder para fazer as coisas mudarem em sua cidade, para ressignificar as ideias preestabelecidas. E cada feito seu tem um impacto fortíssimo nas pessoas ao redor. O primeiro deles, o golpe da cadeia, já nos leva a refletir várias coisas a respeito do nosso sistema penitenciário: ele é justo? É eficiente? Estimula alguém a não cometer mais o crime que o levou até ali ou apenas piora a situação? Será que a forma como as coisas estão sendo feitas não deveriam ser reformuladas? "Será preciso fazer tanto barulho para manter a ordem?", "E se a gente fizesse nascer flores para eles? A ordem ficaria menos feia". E, de fato, as flores de Tistu só trazem resultados bons. Ele fornece amor ao que estava baseado em ódio e tristeza, e isso tem como resposta o amor também (reflexão que me lembra A face da guerra de Salvador Dalí). Os prisioneiros esquecem de fugir, param de brigar e reclamar, tomam gosto pela jardinagem. Isto, principalmente, foi o que mais me chamou a atenção, o garoto deu a oportunidade aos presidiários de descobrirem o gosto por coisas novas, estimulou uma atividade (impacto parecido com o de Miguel, do filme Viva - a vida é uma festa, em sua família). Não dá pra repensar a vida, mudar, sem a capacidade de visualizar novos caminhos e é isso que o dedo verde propicia.

No seu segundo ato, então, considero essa mensagem ainda mais forte. É quando o personagem toca a favela! As flores de Tistu fornecem simplesmente, olha só!, bem-estar e visibilidade (todos ao redor passam a prestar atenção naquilo que ficava à margem). É a oportunidade dada e, o melhor, agarrada. A favela, com toda a sua autonomia, prospera rapidinho quando isso acontece. Tistu não precisou dizer a eles o que fazer (ele não sabia mesmo) ou dar dinheiro nas suas mãos. Em sua posição de privilégio, a maior ajuda que ele poderia dar era fornecer a oportunidade de serem vistos e ouvidos (não falar por eles) e isso ele faz com maestria. Aqueles em posição de miséria sabiam do que precisavam, sabiam da sua situação e tinham total capacidade de mudá-la, só não o faziam porque não lhes era permitido. A favela era uma prisão com grades invisíveis. Limites não explícitos (a indiferença, a invisibilização) mas que, do mesmo jeito, privavam a liberdade de uma parte da população.

O livro inteiro aborda assuntos sérios com extrema delicadeza. O feito no hospital, por exemplo, no qual é apresentado ao leitor um caso de depressão, nos leva a várias reflexões sobre as relações não apenas entre profissionais da saúde e pacientes, mas humanas em geral, inclusive a nossa com nós mesmos: "a medicina não pode quase nada contra um coração muito triste. Aprendi que para a gente sarar é preciso ter vontade de viver", "para cuidar dos homens é preciso amá-los bastante". As flores, aqui, são exatamente esse amor, esse querer bem (próprio e do outro), o que é a nossa maior arma, o que nos move, nos faz plenos. E não para por aí, a obra estende esse amor para as relações com os animais também, trazendo em suas linhas lições sobre o Bem-estar animal e a importância do enriquecimento ambiental como ajuda para garanti-lo (conceito que só fui descobrir há pouco tempo, na faculdade, sem perceber que já tinha lido sobre ele várias vezes aqui, só que sem essa terminologia).

Além de nos grandes atos de Tistu, o livro é recheado de mensagens escondidas em poucas palavras, em simples parágrafos. Em pequenos trechos, podemos pensar sobre como não devemos julgar ninguém, como o pensamento crítico é reprimido (ou temido) pela nossa organização social, como temos dificuldade de sair das nossas zonas de conforto e encarar o novo (apesar da nossa incrível capacidade de nos habituarmos a tudo), como cada um tem seu próprio jeito de ser e não faz sentido querer que todos ajamos da mesma forma (descer a escada pelo corrimão ou pelo degrau dá na mesma no final: chega-se no andar de baixo) e muito, muito mais. O menino do dedo verde é repleto de coragem, esperança e amor em suas páginas. O autor conseguiu escrever sobre os problemas da sociedade e as nuances da vida com uma sutileza admirável, impressionante. E o desfecho, então, é a coisa mais linda! É um livro simplesmente incrível que, acredito, deveria ser conhecido por todos.

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