setembro 06, 2020

Marcelino Pedregulho


Marcelino Pedregulho... Sim, mais um livro "infantil" (desculpa, não me controlo, adoro esses hihi). Mas, assim como O menino do dedo verde, ele também é um desses que, tanto crianças, quanto adultos podem terminar a leitura com um quentinho no coração e um sorriso no rosto!

Escrito por Sempé e publicado em 2009, Marcelino Pedregulho conta a história desse garoto que tem um pequeno "problema": ele enrubesce sem motivo algum. Não apenas isso: ele enrubesce sem motivo algum a todo instante, menos quando realmente "deveria" (por constrangimento, vergonha). Aqui, então, chegamos a um ponto em que, creio eu, você já deve ter percebido o meu uso exagerado de aspas nesse post... Foquemos nas deste parágrafo especificamente. Quantas vezes encaramos algo que é nosso, algo que é natural, que simplesmente faz parte de quem somos como um "problema", só porque a sociedade impõe como "deveríamos" ou não ser? Fazendo-nos, assim, questionar a nós mesmos, reprimir quem somos e, às vezes (por que não?), nos isolar. Se ninguém me compreende, se todos me apontam como estranho, prefiro ficar sozinho. E essa é a reação de Marcelino a essas imposições, aos preconceitos que encaram o diferente como uma doença: ele passa a se refugiar em suas próprias fantasias (com certeza as mais fofas, apesar de tristes, já que, no fundo, ele não se sente bem consigo mesmo, é inseguro de si). Aqui, então, já somos levados a refletir sobre como os preconceitos apenas nos aprisionam, sobre como a autenticidade do ser humano não vem sendo potencialmente aproveitada por conta das nossas estruturas sociais que exatamente nos reprimem, nos tornam inseguros de nós mesmos, nos impedindo de dividir o nosso máximo como indivíduos e, consequentemente, evoluir como sociedade, por estarmos tão fechados em caixinhas pré-estabelecidas.

Mas (amém!), o isolamento de Marcelino não se prolonga por muito tempo. Vamos, então, até a parte da história na qual descobrimos que ela se trata, principalmente, de uma poesia sobre a amizade! É a parte na qual Marcelino conhece Renê Rocha, um menininho diferente, também, da maioria, um garoto que passou por situações bem parecidas com a de Pedregulho e, portanto, o compreende. Eles não olham para as peculiaridades um do outro como um "problema", algo a ser "tratado", muito pelo contrário, eles as adoram. E que grande amizade nasce dessa conexão! Cheia de trocas, apoio, cuidado, presença, compreensão e muita diversão. Aquela construção, tijolo por tijolo, do amor (mensagem parecida com a de algumas obras de Lora Zombie e Pascal Campion). Ambos despertam a autenticidade um do outro, conseguem ser eles mesmos sem vergonha, sem medo. Os momentos de silêncio entre os dois, apenas aproveitando a companhia um do outro, são as minhas ilustrações favoritas do livro. Extremamente repletas de significado, são a representação dos sentimentos sendo simplesmente sentidos. O amor, em toda sua plenitude, não precisa ser dito pra existir (como em "Common wrong use of I love you", obra de Lora Zombie, onde as palavras, na falta de atitudes equivalentes, perdem todo o sentido). Quando o amor é verdadeiro, ele vai se manifestar em tudo, seja no silêncio, seja nas brincadeiras, seja no diálogo, seja no cuidado, e sempre vai fazer bem, porque o amor não incomoda, ele traz paz.


Enquanto estou escrevendo essa análise, talvez (só talvez hihi) eu esteja um pouco viciada na música invisible string, do álbum Folklore de Taylor Swift, e não consigo evitar seguir um pouco pela linha dessa composição e refletir, também, sobre a possibilidade de que estejamos destinados a conhecer pessoas responsáveis por trazer um brilho diferente para nossas vidas (despertar o melhor em nós). E que as situações difíceis pelas quais passamos estão apenas nos preparando para esses encontros mágicos, sendo as jornadas infernais que nos guiam ao paraíso. Tanto Marcelino, quanto Renê, viveram situações semelhantes e foi exatamente ter passado por elas (e, por isso, entenderem as vulnerabilidades um do outro) que os aproximou tanto. Será que se não fosse tudo do jeito que foi, eles virariam amigos? Será que não foi tudo para, no fim, uni-los? Uma cordinha invisível amarrando um ao outro... Renê ter virado vizinho de Marcelino pode ter sido obra do destino, uma dessas relações transformadoras colocadas em nossos caminhos para nos ajudar a crescer, a descobrir quem somos, a reconhecer nosso próprio valor (e, no caso, o mais legal, fazer isso através do amor e não da dor).

São aquelas conexões que deixam suas marcas, que, quando acontecem, seguem com a gente para sempre, seja presencialmente, seja na memória. E isto podemos ver quando, infelizmente, os dois são separados pela vida. Na verdade, pelo descaso dos pais, tão imersos em seus próprios problemas, que trataram o da criança como algo sem tanta importância, sendo que, na perspectiva dela, a questão é, sim, algo que a incomoda e precisa ser resolvido. Aqui, podemos pensar um pouco sobre comparações de sentimentos e como isso é algo inválido e injusto. Mas, enfim, voltando ao assunto... Apesar de terem se distanciado fisicamente, Pedregulho continuou lembrando de Rocha com bastante carinho. A amizade deles deixou seu efeito, foi uma experiência que marcou sua vida e não tinha mais como ele voltar a ser quem era antes disso. Tanto que não passou a se isolar e se sentir inseguro novamente, ao contrário, ele fez novas amizades e já conseguia falar sobre sua singularidade sem se sentir envergonhado dela.

O amor sobrevive à distância, sobrevive ao tempo, supera os obstáculos. E quando Marcelino, já mais velho, encontra-se preso em um sistema e pensando coisas como "é idiota ruborizar desse jeito!..", é o amor entre ele e Renê que o renova, que lhe relembra a beleza de se viver sem medo, sem vergonha, sendo inteiro, se entregando às brincadeiras, assim como faziam na infância (coisas que, às vezes, esquecemos quando afundamos em rotinas). É bonito ver como quando essa renovação acontece, ele a agarra e a valoriza, pois sabe que esse amor está acima de qualquer ideia pré-estabelecida, obrigação ou trabalho (como quando, mesmo no meio do expediente, ele faz questão de atender uma ligação de uma pessoa que ama). Marcelino Pedregulho é uma poesia ilustrada sobre o amor, sobre esses relacionamentos que nos transformam. E que maestria, que jeito mais fofo de passar essa mensagem! É um livro simples, com um fluir nem um pouco complicado e que não traz nada além de conforto e paz ao coraçãozinho de quem o lê. Bem como o sentimento sobre o qual ele fala...

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